'Para desvendar a vida não bastam as ciências, são necessárias também as letras e as artes. E para viver a vida verdadeira, a vida por inteiro, é preciso a ela entregar-se com amor e paixão'.


domingo, 22 de agosto de 2010

Imaginarium


Viviane estava mexendo nas gavetas de sua mãe quando encontrou uma chave toda trabalhada e muito antiga. Curiosa, a menina de apenas sete anos lembrou do antigo baú que pertencera à sua bisavó materna e que ficava no canto do quarto. Viviane sempre perguntava à mãe o que tinha dentro do baú, mas a mãe desconversava e nunca lhe dissera o que havia ali de fato. Então, a menina foi até a arca, que mais parecia uma peça de museu, e testou se a chave servia. Um encaixe perfeito e apenas um clic quando a menina girou a chave no sentido anti-horário. Com os olhos sedentos e a mente fervilhando de curiosidade, Viviane segurou a arca com as duas mãos e forçou a tampa para cima. Muito pó e um forte cheiro de mofo invadiram suas narinas e fizeram a menina espirrar. Ela coçou o nariz e ajoelhou-se diante do baú olhando o que havia dentro.

Para surpresa da menina, cresceu bem diante de seus olhos uma rosa de dentro do baú vazio. Tratava-se de uma rosa cor de rosa muito vistosa e com um brilho cintilante. Viviane ficou observando e estendeu a mão para tocá-la. Quando encostou na rosa essa desapareceu e surgiu de dentro do baú uma bela jovem vestida de noiva e carregando girassóis nos braços. Ela olhou a menina, sorriu e falou: ‘Olá Viviane! Bem vinda ao meu Mundo Imaginário! Eu sou sua bisavó e tenho algumas coisas fantásticas para lhe mostrar. Apenas fique com os olhos atentos à arca e aproveite o espetáculo!’. Nesse momento ela desapareceu através da cortina do quarto. Viviane olhou para o baú e levou um susto quando a cabeça de um unicórnio branco surgiu e a fitou com ternura. O animal saltou de dentro da caixa e cavalgou até um belo bosque mágico com árvores brilhantes e um belo lago que parecia um espelho d’água. Ele estava bebendo a água do lago quando Viviane observou a chegada de uma lindíssima mulher de vestido vermelho que parecia uma princesa. Ela sorria e trazia um buquê de copos de leite nos braços. A princesa se aproximou do animal, que recuou um pouco no primeiro momento, mas logo deixou que ela o tocasse com muito carinho. Eles ficaram assim, frente à frente, por um tempo. Então, a princesa montou no animal e eles desapareceram cavalgando em direção ao sol poente no horizonte. A menina ficou encantada com a cena. Viviane olhou novamente dentro da caixa, mas não viu nada. Sentiu que alguém a cutucava no ombro esquerdo e olhou para traz: travava-se de um bobo da corte multicolorido dando gargalhadas e saltitando como um coelho. A menina começou a rir muito quando ele parou diante dela e perguntou: ‘Você me acha engraçado? Eu sou engraçado? Hahaha! Tire uma carta! Tire uma carta!’. Viviane pegou a primeira carta do baralho que estava na mão do bobo e olhou: um coringa. ‘Qual carta você tirou? Qual carta você tirou?’, ele perguntou ansioso. ‘Tirei o coringa!’, ela respondeu. ‘O coringa sou eu! O coringa sou eu! Hahaha!’, e pulou dentro do baú desaparecendo imediatamente, assim como a carta na mão de Viviane. A menina achou ele louco e deu risada. Um mago saiu de dentro da arca e fitou a menina com olhar sério. Ele tinha uma longa barba branca e segurava algo que parecia uma bola de cristal. ‘Olhe dentro dessa bola por um instante.’ A menina olhou e sentiu que não estava mais no quarto de sua mãe, mas num belíssimo castelo. O mago estava ao seu lado e disse: ‘Aqui que sua família morava há séculos atrás.’ A menina observou uma jovem de vestido medieval que lembrava muito sua mãe. O mago perguntou novamente com aquele olhar sério: ‘Para onde deseja ir agora?’. Viviane ficou com medo de não estar mais no quarto de sua mãe e disse que queria voltar para casa. Imediatamente, estava sentada na frente do baú com o mago metade do corpo dentro da caixa e metade fora. ‘Agora, você irá trancar novamente a arca e guardar com cuidado a chave. Quando desejar visitar novamente o Mundo Imaginário estaremos aqui para você. Não comente isso com ninguém. Nem com sua mãe. Até mais ver Viviane!’ O mago desapareceu e a caixa fechou-se sozinha. A menina apenas trancou cuidadosamente e guardou a chave na gaveta que havia encontrado. Viviane sentou-se na cama da mãe e ficou pensando um pouco a respeito de tudo que acontecera.

Do outro lado da porta do quarto, a mãe de Viviane escutou tudo que havia acontecido. As risadas, a conversa da menina. Ela sabia bem do que se tratava. Quando a menina abriu a porta e a encontrou por ali apenas sorriu. Ela não resistiu e perguntou: ‘Aconteceu alguma coisa que você queira me contar Viviane?’. A menina balançou a cabeça dizendo que não e foi brincar no jardim. A mãe apenas sorriu por dentro.

Felicidades e sorte sempre!

Eleonora Reis
eleonora.reis7@gmail.com

sábado, 14 de agosto de 2010

O Destino da Cigana


O povo estava todo reunido em volta da fogueira. Algumas mulheres dançavam num ritmo frenético com suas saias coloridas e lenços franjados à luz da lua. As guitarras tocavam em sincronia e o canto parecia um lamento e reverberava dentro do bosque que servia de palco e de local de acampamento para aquela noite. Todos estavam presentes menos Maria de Lourdes, que estava com seus sentidos particularmente aguçados naquela noite. A bela cigana foi se retirando sorrateiramente da reunião e se encaminhando para uma tenda: chegando lá acendeu um candelabro antigo de metal, colocou uma toalha vermelha sobre a mesa e sentou-se para jogar a sorte no baralho. Passara o dia todo vendo sinais na natureza que estavam lhe mostrando uma direção nova na sua vida. Isso já havia acontecido antes com ela, mas ela havia ficado um pouco assustada e decidiu não perguntar nada ao baralho. Contudo, dessa vez era diferente: estavam indo à Alemanha, onde há alguns anos antes ela havia conhecido aquele que fora um grande Amor seu. Como sempre, com a partida da caravana, esse amor ficou apenas dentro de seu coração. Maria de Lourdes jamais esqueceu Igor e guardava a lembrança daqueles dias felizes que eles viveram juntos num verão realmente mágico. O fato é que os sinais estavam mostrando uma nova aproximação com Igor e ela queria ter certeza disso lendo as cartas.

Enquanto embaralhava as cartas ouvia o barulho das pulseiras cheias de moedas que sempre usava. Segurou o baralho, fechou os olhos e fez uma prece silenciosa para que o destino fosse revelado. Tirou a primeira carta que confirmou o motivo do jogo: um homem. Com sua mão cheia de anéis foi dispondo as cartas uma ao lado da outra como costumeiramente fazia para as clientes. Olhou todas dispostas e sentiu um calafrio percorrer o corpo. Nesse momento uma pomba entrou voando rápido dentro da tenda, o que a deixou mais assustada. ‘Um sinal forte de mensagem’, ela pensou. Realmente, o jogo confirmava todos os sinais que ela havia lido na natureza e indicava um reencontro com o seu antigo Amor. Chegando ao final da leitura das cartas, ela apagou as velas, soltou a pomba no bosque e voltou para junto de seu povo naquela bela ‘fiesta’. Todavia, seu pensamento estava em Viena: mais especificamente na orquestra do Grande Teatro.

Igor estava ensaiando as músicas que a orquestra iria apresentar naquela noite em seu quarto. O som alto e agudo da melodia que saia do violino preenchia a peça e os demais quartos do hotel onde estava vivendo. Sorte que os hospedes se encantavam com a música e não reclamavam dos ensaios. Completamente absorvido pela música, Igor foi pego de surpresa por uma pomba que pousou na janela diante dele. Ele parou de tocar e olhou através da janela: a caravana dos ciganos estava chegando na cidade e ele pode ver, entre as mulheres, Maria de Lourdes. A bela cigana tinha sido o primeiro Amor da vida do músico e ele sofrera muito com a separação dos dois. Ele sempre havia planejado que, se ele a encontrasse outra vez, não deixaria que ela se fosse com a caravana. Igor sorriu, piscou para a pombinha e saiu rápido do quarto.

Maria de Lourdes estava mais uma vez encantada com a beleza das ruas de Viena. Distraída com um belo jardim de flores, ela começou ouvir uma linda melodia que ela parecia conhecer. Sentiu novamente o calafrio percorrendo o corpo e lembrou: tratava-se de uma música que Igor havia escrito para ela naquele verão que passaram juntos. Olhou rapidamente em volta buscando por ele. Igor veio por trás: quando ela se virou ele lhe entregou uma belíssima rosa vermelha e beijou gentilmente sua mão. ‘Estou sonhando?’, ela perguntou. ‘Um sonho na vida real’, ele respondeu. Naquele exato momento, o destino dos dois foi traçado. De fato, as cartas não mentem jamais.

Felicidades e sorte sempre!

Eleonora Reis.
eleonora.reis7@gmail.com

domingo, 8 de agosto de 2010

Sonhos X Realidade


Manuela se virava de um lado para o outro na cama e não conseguia achar posição para dormir naquela noite. Jogou as cobertas para o lado e saiu do quarto pé por pé espiando se a irmã não iria acordar. Quando Manuela entrou no quarto dos pais, viu a mãe de óculos lendo um livro com o abajur aceso.’Mãe, não consigo dormir! Conta uma história?’, ela choramingou. A Mãe achou graça, levantou as cobertas e abriu espaço para a menina deitar. ‘Hoje não vou contar uma história, mas um sonho que a Mamãe teve antes de você nascer e que guardo com muito carinho dentro do meu coração. Você quer escutar?’. Manuela acomodando-se ao lado da mãe e, enquanto puxava as cobertas, fez que sim com a cabeça. A menina ficou parada, levantou os lindos olhos e ficou atenta esperando pela história da mãe.

‘Bem... certa vez eu sonhei que numa terra muito fértil e distante um belo rei recebeu notícias da existência de uma rainha cuja fama era fabulosa: ela era lindíssima, governava com muita honestidade e bondade e seu reino era tão próspero quanto o dele, apesar de distante. O rei ficou intrigado a respeito da tal rainha: pensava muito nela e começou a desejar encontrar-se com ela. Pediu que um mensageiro enviasse um papiro no qual ele solicitava um encontro entre os dois para tratarem de assuntos de interesse político e econômico dos reinos. Na realidade, ele queria era poder estar frente à frente com a lendária rainha. O papiro chegou às mãos da rainha tão logo o mensageiro o entregou. Ela leu o texto com desconfiança, mas recebera as melhores referências desse rei: tratava-se de um homem justo que governava um reino muito próspero numa terra tão distante que ela nunca ouvira falar. Seus conselheiros achavam que era a oportunidade de fazer uma ótima aliança política. A rainha rapidamente decidiu: mandou redigir a resposta que o receberia dentro de duas luas. Depois do mensageiro ter saído, suas amas vieram lhe contar sobre a beleza do tal rei e da sua fama de sedutor. A rainha também ficou intrigada e pediu para prepararem um belíssimo vestido vermelho para o encontro. O rei ficou muito agitado com a resposta: pediu ao jardineiro real para preparar a flor mais rara do jardim para presenteá-la. Também pediu ao joalheiro um colar de rubis e diamantes que ofereceria como um símbolo de amizade entre os povos. Todos sabiam que, na realidade, o rei estava muito interessado na bela rainha.

Duas luas se passaram e chegou o dia em que a caravana do rei chegaria ao palácio da rainha. Ela estava ricamente vestida de vermelho e ouro, usava uma bela tiara dourada e tinha os olhos marcados com um negro kohl. Ela estava um pouco nervosa com o encontro, mas certamente não como ele. Ele estava ansioso e um pouco eufórico, pois seria um encontro com uma mulher que, segundo lhe disseram, era o espelho dele mesmo. Ele estava lindamente vestido num trage real negro e trazia nas mãos uma rosa rara de seis pétalas e o rico colar. As trombetas soaram avisando a chegada do rei. A rainha levantou-se do trono e aguardou ele aproximar-se. Quando o rei e a rainha ficaram frente à frente, tudo parou à sua volta. Quando os olhos se encontraram foi o chamado Amor à primeira vista. Ele entregou a rosa e fez questão de colocar o colar que formou um conjunto perfeito com o vestido que ela usava. Ela lhe entregou de presente uma espada com o seu brazão gravado em ouro e pedras. Eles deixaram as formalidades de lado e foram dar uma volta no lindo jardim real. A sintonia deles era harmônica e perfeita. A noite caiu e o céu estrelado foi testemunha daquele amor puro e verdadeiro. Juntos eles formavam uma união perfeita.

Os primeiros raios de sol da aurora marcavam a cruel, mas necessária, separação dos dois. O rei precisava retornar ao seu povo e aos seus afazeres. A rainha tinha que seguir governando também. Sua união era perfeita pela beleza do Amor, mas impossível dentro de suas realidades. Os dois, que acordaram abraçados, não tocaram nesse assunto. Ele se arrumou e despediu-se dela que o acompanhou até o muro do castelo. Ela ficou vendo seu amado partir ao longe no horizonte. Ele ficou com os olhos fixos no belo rosto de sua amada que foi ficando gradualmente mais distante. Ele partiu, mas deixara seu coração de presente para a rainha e levara embora o dela. Eles terão um ao outro, dentro do coração e na alma, eternamente.’


Manuela estava quase dormindo mas não resistiu e perguntou: ‘Eles não foram felizes para sempre?’. A Mãe riu e fez que não com a cabeça. ‘Por que?’, perguntou a menina. ‘Porque isso não é uma história. É só um sonho que a Mamãe teve querida. Só um sonho.’

Felicidades e sorte sempre!

Eleonora Reis.
eleonora.reis7@gmail.com

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Em Trânsito


Marina estava vivendo um daqueles dias em que nada parecia estar certo na sua vida. Terminou seu trabalho como de costume, mas precisava arejar a cabeça e pensar um pouco acerca de seus problemas. Ao contrário da maioria das pessoas, nesses dias ela preferia dirigir sem destino e aproveitar a paisagem a se isolar. Marina desceu as escadas do prédio onde trabalhava, entrou no carro e escolheu uma direção na pura sorte. Ligou o rádio do carro: a letra da música mencionava um labirinto que a fez lembrar de uma história da mitologia grega. ‘A vida, as vezes, parece mesmo um labirinto’, ela pensou. Deu os ombros e viu passar rapidamente ao seu lado um enorme carro preto reluzente de tão brilhoso. Um carro igual ao do seu Amor a ultrapassou e seguiu rápido. Foi o suficiente para fazer Marina lembrar-se dele com saudade. Ele estava fora da cidade há alguns dias e a dificuldade de comunicação entre eles a deixava triste muitas vezes. No rádio tocou, quase no mesmo momento, uma das músicas que os dois classificavam como sendo ‘deles’, pois adoravam escutar juntos. Com um aperto no peito, ela deixou rolar uma lágrima e pensou que iria ligar para ele assim que chegasse em casa. Limpou o rosto com a mão e seguiu com os olhos fixos na grande avenida.

Sentiu que estava entrando num congestionamento de carros e lembrou que naquele horário isso era bem possível de acontecer. Achou graça quando o carro que parou na sua frente tinha na placa os números iguais aos do seu aniversário: 0702. ‘Cada coincidência’, ela pensou. O trânsito parou por completo. Ela seguia atrás do carro com a placa da data do seu aniversário em fila indiana. Olhou para a esquerda e viu do outro lado da rua um posto de gasolina. Marina verificou no painel do carro: precisava abastecer. ‘Infelizmente está na outra mão’, ela falou baixinho. Seguindo lentamente, agora estava parada diante de uma floricultura. Marina, que adorava flores, esticou o pescoço para ver os belos arranjos. Um deles, de lírios e rosas, foi o que ela mais gostou. Saindo de uma rua lateral e entrando exatamente na sua frente um enorme caminhão de gás ficou no lugar do carro com a data do seu aniversário. Agora parecia que o trânsito estava cada vez mais lento. Olhou para o lado direito e viu uma placa: ‘Estética Marina’. Ela sorriu por conta do nome, olhou para a mão e pensou que precisava de uma manicure. Finalmente, chegara num imenso cruzamento onde o fluxo de carros normalizou. Já estava ficando tarde e Marina decidiu voltar para casa. Dois carros pretos, que mais pareciam o serviço secreto americano, a acompanharam quase até a entrada da sua casa. Marina ficou meio desconfiada, mas logo eles foram embora.

Ela estacionou o carro, ligou o alarme, entrou no prédio e subiu as escadas rapidamente. Sua vizinha perguntou como havia sido o seu dia e ela respondeu que não estava muito bem, mas que havia saído para dirigir e pensar nos problemas. ‘E pensou?’, perguntou a vizinha. Marina sorriu e respondeu : ‘Entrei num labirinto que me fez esquecer deles’. Marina abriu a porta de casa, tirou os sapatos, pegou o telefone e foi fazer o que era realmente importante: ligar para o seu Amor.

Felicidades e sorte sempre!

Eleonora Reis
eleonora.reis7@gmail.com