'Para desvendar a vida não bastam as ciências, são necessárias também as letras e as artes. E para viver a vida verdadeira, a vida por inteiro, é preciso a ela entregar-se com amor e paixão'.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Garota da Biblioteca


Era cedo ainda quando Jaques chegou à loja: nenhum irmão ainda havia chegado. Ele colocou seus livros sobre uma das mesas e foi buscar sua roupa cerimonial. Pensava em assuntos do cotidiano enquanto vestia a toga. Ouviu um barulho na saleta ao lado da sala principal e resolveu verificar o que se tratava: encontrou uma garota que aparentava uns vinte anos juntando vários livros que haviam caído no chão. Como ele não a conhecia, perguntou o que fazia ali. Ela se apresentou e disse que trabalhava na limpeza da biblioteca da loja. Ele achou estranho, e perguntou quem a tinha contratado: ela explicou que estava se preparando para estudar na Universidade, mas perdeu toda a família num acidente de carro. Como seu pai pertencera à maçonaria, falou com um irmão para conseguiu um emprego para começar a vida. Explicou que o grão-mestre havia pedido para ela catalogar e limpar todos os livros da biblioteca. O homem achou aquilo no mínimo curioso: uma mulher tendo acesso a toda aquela informação. Depois pensou que era melhor não indagar a decisão dos outros irmãos.

Enquanto os irmãos chegavam e conversavam fraternalmente entre si, ele esqueceu completamente a presença da garota na saleta ao lado. Finalmente, começaram a reunião como faziam de costume. Trataram de diversos temas, estudaram e realizaram seus rituais. Quando ele foi guardar sua roupa, passou novamente na saleta ao lado e encontrou a garota absorvida numa leitura. Ele a olhou com olhar de surpresa e ela fechou o livro rapidamente, o colocando na estante. Ele perguntou se ela tinha curiosidade a respeito dos assuntos que eles estudavam e ela respondeu que sim. Ele disse que dentro da Maçonaria existiam lojas mistas e outras onde algumas mulheres se encontravam e sugeriu que ela poderia se informar sobre isso com o grão-mestre. Ela sorriu e disse que enquanto estivesse executando aquela tarefa ela não teria muito tempo. Além disso, disse que gostava de ser meio independente e ler sobre vários assuntos. Ele achou graça e entendeu que essa era uma característica da juventude. Ele se despediu e antes de sair se ofereceu para ajudá-la caso ela tivesse alguma dúvida.

Na outra reunião aconteceu um quadro parecido: quando Jaques chegou à saleta, lá estava a garota debruçada num enorme livro. Ela deu um sorrisinho maroto meio de lado e escondeu o livro na gaveta da escrivaninha. Ele não conteve o riso. O que fazer diante da curiosidade dela? Mantiveram aquele segredo. Manter segredos era o dom dos maçons.

Passaram-se alguns meses e eles sempre mantiveram o mesmo relacionamento de amizade e respeito. Numa ocasião, no meio da reunião foi solicitado que ele buscasse um livro na biblioteca: ao chegar lá encontrou a garota com um caderno fazendo várias anotações. Ele apenas passou os olhos quando passou atrás dela, mas viu que ela estava realizando o mesmo estudo que eles. Ele olhou sério e disse que falaria com ela depois. No final da reunião, depois que todos os irmãos tinham ido embora, ele perguntou se poderia ver o caderno. Ela explicou que eram anotações sobre leituras e sobre algumas reuniões que ela não pode deixar de ouvir. Quando ele abriu e começou a ler as anotações, verificou que ela tinha uma habilidade natural para aquele tipo de estudo e que muitos dos temas que ela abordava estavam acordo com as reuniões que eles, que estavam num grau já elevado, seguiam. ‘Você já mostrou isso para alguém aqui da loja?’, perguntou ele curioso. Ela respondeu que não com a cabeça. ‘Posso levar para dar uma olhada? Logo o entregarei de volta.’. Ela consentiu e voltou a arrumar os livros nas estantes.

Quando ele terminou de ler a última página ficou impressionado. Ela havia estudado coisas que em todos aqueles anos ele não havia aprendido. Pediu uma reunião em particular com o grão-mestre na qual mostrou o caderno sem dizer quem havia escrito. Ele leu calmamente e disse que ele poderia convidar essa pessoa para entrar para a irmandade. Ele sorriu e disse que se tratava da menina que limpava os livros. O grão-mestre arregalou os olhos incrédulo. Fizeram uma reunião com vários irmãos e uma votação. Naquele momento, aquela assembléia decidiu: a menina da biblioteca deveria ser convidada a fazer parte da irmandade. Isso não poderia sair de dentro daquele circulo de pessoas e se transformou no maior segredo daquela loja.

Felicidades e sorte sempre!

Eleonora Reis.

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