'Para desvendar a vida não bastam as ciências, são necessárias também as letras e as artes. E para viver a vida verdadeira, a vida por inteiro, é preciso a ela entregar-se com amor e paixão'.


segunda-feira, 2 de maio de 2011

Recordações


Dona Julieta era uma senhora de quase oitenta anos. Mesmo com uma idade tão avançada, fazia jus ao nome que recebera: era extremamente romântica. Como era viúva, vivia sozinha numa casa muito antiga que pertencia a sua família por gerações. Cuidava do jardim, cultivava legumes e verduras numa horta e tinha um canteiro especial com uma azaléia e um girassol. Esse canteiro ficava na frente de um muro baixo que trazia inúmeras recordações a Dona Julieta. Seu primeiro Amor, um jovem soldado do exército, dera o primeiro beijo nela diante daquele muro. Muitas vezes, Dona Julieta se apoiava no muro no final da tarde e suspirava relembrando da sua adolescência. Lembrava dos bailes que freqüentara cheios de moças com vestidos rodados e rapazes de farda. A melodia que tocava na orquestra numa noite muito especial para ela ainda estava na sua memória: seu namorado a pedira em noivado na pista de dança e, ao invés do tradicional anel, colocou uma gargantilha de coração em seu pescoço. Foi um momento inesquecível, assim como aquele Amor. Infelizmente, o destino desse romance foi trágico: alguns dias após o noivado, o exército convocou seu amado para a guerra. Eles se comunicavam apenas por cartas, que demoravam muitas semanas para chegar. Finalmente, ela parou de receber qualquer mensagem dele, assim como a família do rapaz, que estava em desespero. Passados mais ou menos uns onze meses chegou a terrível notícia: o rapaz fora atingido por um tiro e, mesmo depois de tratado no hospital, morreu de infecção. Foi um Deus nos acuda geral: Julieta ficou tão doente de depressão que quase morreu. Um determinado dia ela se levantou e foi até o jardim: pegou uma muda de azaléia vermelha e plantou num pequeno canteiro. No seu coração, aquela era a representação que o seu Amor ainda estava vivo e perto dela.

Como Julieta era muito jovem e bonita, logo superou a depressão e voltou a freqüentar os bailes com suas amigas. Foi numa ocasião dessas que um homem bem mais velho que ela a avistou de longe e ficou encantado. Ele mandou entregar flores no dia seguinte na casa de Julieta: eram belíssimas rosas vermelhas. No cartão estava o convite para um jantar e um número de telefone. Julieta ficou receosa, mas pela influência das amigas decidiu telefonar; algo que era muito ‘moderno’ para a época. Ela colocou um vestido rodado azul claro, uma echarpe da mesma cor e pintou os olhos com delineador negro, como era a moda da época. Quando o homem tocou a campainha ela não podia agüentar a curiosidade: qual foi sua surpresa quando se tratava de um homem ricamente vestido e muito elegante, apesar de muito grisalho. Tudo a impressionou nele: sua eloqüência, seu charme, sua inteligência, além de um olhar encantador. Eles tiveram uma noite muito agradável e antes da meia-noite Julieta já estava apoiada no muro suspirando pelo novo namorado. A lua estava cheia naquela noite e ela decidiu fazer um pedido: queria um sinal se aquele era o homem de sua vida. Na manhã seguinte, lavou o rosto, trocou de roupa e foi aguar as plantas do jardim. Quando abriu a porta, viu uma rosa cor-de-rosa sobre o muro e um bilhete que dizia:’Bom dia Princesa, uma dama não deve admirar a lua até tão tarde. Você estava linda. Olhe para seu lado direito. L.’ Ela olhou rapidamente para o lado e viu ele escorado no carro na frente de sua casa. Ela correu na direção dele e o beijou. Aquele era mais do que um sinal. De fato, nem a lua e nem o sinal se enganaram: Julieta e Luciano se casaram no final daquele ano. Compraram a propriedade atrás da casa onde ela morava e viveram naquele mesmo pátio ao lado daquele muro por trinta anos. Após a morte de Luciano, Julieta plantou um girassol ao lado da azaléia. Dessa forma, se sentia perto de seus grandes Amores.

Felicidades e sorte sempre!

Eleonora Reis.

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